terça-feira, 18 de dezembro de 2007

O Homem, as viagens - Carlos Drummond de Andrade

O homem, bicho da Terra tão pequeno
chateia-se na Terra
lugar de muita miséria e pouca diversão.
Faz um foguete, uma cápsula, um módulo
toca para a Lua
desce cauteloso na Lua
pisa na Lua
planta bandeirola na Lua
experimenta a Lua
civiliza a Lua
humaniza a Lua. Lua humanizada: tão igual à Terra.
O homem chateia-se na Lua.
Vamos para Marte - ordena a suas máquinas.
Elas obedecem, o homem desce em Marte
pisa em Marte
experimenta
coloniza
civiliza
humaniza Marte com engenho e arte. Marte humanizado, que lugar quadrado.
Vamos a outra parte?
Claro - diz o engenho
sofisticado e dócil.
Vamos a Vênus.
O homem põe o pé em Vênus
vê o visto - é isto?
idem
idem
idem. O homem funde a cuca se não for a Júpiter
proclamar justiça junto com injustiça
repetir a fossa
repetir o inquieto
repetitório.
Outros planetas restam para outras colônias.
O espaço todo vira Terra-a-terra.

O homem chega ao Sol ou dá uma volta
só pra te ver?
Não - vê que ele inventa
roupa insiderável de viver no Sol.
Põe o pé e:
mas que chato é o Sol, falso touro
espanhol domado. Restam outros sistemas fora
do solar a colonizar.
Ao acabarem todos
só resta ao homem
(estará equipado?)
a difícil dangerosíssima viagem
de si a si mesmo:
pôr o pé no chão
do seu coração
experimentar
colonizar
humanizar
o homem
descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas
a perene, insuspeitada alegria
de conviver.

Afromanifesto

Por que olhas assim para o Mundo
África?
Acaso pensas convencer o FMI, a ONU,
A OTAN, os ricaços
Produtores e fornecedores de armas
Que a exterminam?

Para onde vais Terra Mãe
De todos os povos,
Seguindo estas linhas da fome?

África dos Lumumbas,
Transforma-se agora em cemitério
De vivas almas negras
Para deleite dos abutres que a destroem...

África, Continente das catacumbas sem lápide.
Primeiro, arrancam-lhe das entranhas
Os braços que, sob chicotes e as mais
Vis torturas, forjarão a felicidade
De ricos arianos, ao longo dos séculos.

África, ama-de-leite dos senhores escravistas,
Tens hoje tetas secas para os seus.
(e o mundo assiste impassível).

Em seguida, abrem novamente seu
Peito e tuas selvas, arrancando-lhe o coração,
Nas continuadas disputas pelas minas
De ouro, diamantes, urânio, cobre
E tantas preciosas riquezas que abrigas
Em suas terras.

Sobram para sua gente as minas
Que matam, arrancam pernas, mutilam...
Sobra-lhe também a fome, já endêmica,
Que forja esquálidos semblantes
Suplicando ao mundo um pedaço
De paz e pão.

Mãe África, filha do Sol, berço da Humanidade
Sofres ainda das multivariadas enfermidades,
Curáveis epidemias, manipuladas doenças.
Homens, mulheres e crianças qual insetos,
Caem mortos pelas estradas,

Agonizam terminalmente nas camas
E corredores de “hospitais”,
Vomitam sangue, vísceras, bílis,
Pus, cérebros, até que a morte os aliviem.

África Mãe, afagastes teus primeiros rebentos
Desde o Paleolítico
Com o calor de seu clima,
Deste a eles os alimentos
Abundantes de tuas Savanas
Abristes os caminhos para a construção

De outras civilizações...entretanto,
Choras lágrimas de sangue
Jorradas como suas cachoeiras
Ao ver seus mais novos filhos
Com os corpos despedaçados
Ou crivados de balas dos
AK 47, dos M16, dos tanques e bombardeiros...

Ancestrais afro-descendentes,
Afro-americanos,
Euro-africanos,
Afro-asiáticos,
Afro-humanos de todos os continentes,
Povos afro-simpatizantes,
Afro-irmãos brancos, indígenas,
Pobres de todo o mundo!

Não permitamos a continuação
Desta bestial carnificina,
Impeçamos a cruel barbárie que sacia
A sede de sangue do capital
Detenhamos o fúnebre cortejo
Dos mortos-vivos que vagueiam
Sem destino, sem-terra, sem esperança.
Na terra que é sua,
Arrasada pela guerra suja
Que é deles,

Dos opulentos magnatas
Das Wall`s Street`s mundo afora,
Que contabilizam suas moedas
Na mesma medida
E proporção em que
Se contam os cadáveres
De nossos irmãos africanos!

Elder Costa Santos

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

RACISMO, IGUALDADE E A ESCALA DE CINZA SOCIAL

Popularmente, o conceito de igualdade é a inexistência de diferenças entre dois elementos comparados, sejam objetos, indivíduos, idéias, conceitos ou quaisquer coisas.
Recentemente, tive a oportunidade de ler um artigo no jornal Perfil, chamado “O sistema de cotas e a desconstrução da cidadania”. Nele, seu autor, Jose Maria de Carvalho apresenta alguns pontos de vista equivocados sobre o sistema de cotas e sobre a igualdade dos seres humanos.
Em política, o conceito de igualdade descreve a ausência de diferenças de direitos e deveres entre os membros de uma sociedade, sendo um dos princípios que orientam a legislação brasileira. Será que realmente somos todos iguais? Será que temos a mesmas oportunidades?
No inicio do texto, ele ressalta que o “principio da igualdade significa tratar desigualmente as situações desiguais”, o que é extremamente correto, pois a mesma lei não pode ser aplicada para o leão ou para a ovelha.
Os seres humanos, embora sejam iguais na essência humana, não são iguais nem nascem iguais. Possuímos diferenças étnicas, econômicas, sociais, culturais. No contexto da pós-modernidade, a idéia de igualdade tem sido gradualmente abandonada e preterida pela idéia de diversidade.
O Nosso país é gigantesco, porém, maior do que sua extensão territorial são as imensas desigualdades, fruto da nossa história e muitas vezes justificadas por preconceitos que ainda persistem no cotidiano da população brasileira.
Podemos utilizar os indicadores sócio-econômicos de brancos e negros, homens e mulheres, como exemplos da intolerância e do preconceito, que marcam profundamente a nosso país.
Muitas pessoas, por desconhecimento ou por uma ideologia equivocada, são extremamente contra quaisquer proposta de reparação histórica, políticas afirmativas ou de cotas, utilizando argumentos de que todos somos iguais, que não existem diferenças.
Seria interessante que estas pessoas fizessem uma visita nas cadeias, onde mais de 60% da população carcerária é negra, jovem e pobre. Também seria proveitoso uma visita nas faculdades e instituições de ensino superior, onde menos de 3% dos estudantes são afrodecedentes. Quem sabe uma consulta nos dados de ocupações trabalhistas, onde infelizmente os negros, quando não permanecem desempregados por não possuir qualificação, conseguem vagas apenas em empregos com baixos sálarios e serviços que exigiam mão-de-obra pesada, como a construção civil e serviços domésticos ou de limpeza.
As taxas de desemprego são maiores entre os trabalhadores negros. Os dados comprovam que a duração do desemprego, isto é, o tempo que o trabalhador negro gasta para conseguir um emprego é bem maior do que o tempo gasto pelos brancos. Por outro lado, comparados aos brancos, os negros enfrentam maior instabilidade no emprego. Em outras palavras, o trabalhador negro é o primeiro a ser demitido e o último a ser empregado. O jovem negro encontra dificuldades de permanecer no meio educacional, tudo devido à sua baixa condição social, que o obriga a ingressar mais cedo no mercado de trabalho, comprometendo seu rendimento escolar. Um ciclo vicioso de exclusão social.
Nosso Brasil não é um país pobre, mas um país de muitos pobres. A riqueza é concentrada na mão de poucos, e os muitos pobres, tem raça, cor, cep. Não podemos esquecer da nossa história, dos milhares e milhares de negros, trazidos a força para nosso país, que foram obrigados a trabalhar, produzindo riquezas. Eles não eram um povo escravo, mas foram escravizados, sofrendo terríveis agonias, participando de lutas, mortes e martírios, em busca da libertação da horrível escravidão que lhes foi imposta.
Após a abolição da escravatura, os ex-escravos negros, em sua grande maioria, foram negligenciados, deixando-os sem trabalho e sem acesso à escola, refugiados em quilombos, favelas, mocambos e palafitas. De repente, os negros foram declarados livres, sem nenhum tipo de compensação ou reparação e, após a alegria inicial, descobriram-se sem teto, trabalho e meios de sobrevivência. Acabaram com as senzalas e criaram as favelas.
Uma das coisas mais medonhas que produzimos foi a falsa idéia que vivemos num país de “democracia racial”. Se perguntar para uma pessoa se existe racismo no Brasil, a maioria esmagadora vai responder que “sim, existe racismo no nosso país”. Porém se indagar se esta mesma pessoa é racista, certamente vai negar que tenha preconceito.
Há varias formas de discriminação racial, umas visíveis, reprováveis, como a exigência de “boa aparência” para trabalhar (entende-se boa aparência, padrão de estética o mais próximo possível do europeu) e outras formas indiretas, que diz respeito a prática de atos aparentemente inocentes e neutros, como o uso de termos como “a coisa está preta”, “está denegrindo a imagem”, (que significa tornar negro), entre outros. Este racismo é mascarado, mas produzem efeitos devastadores.
Vivemos um “sistema” perverso de discriminação, que na verdade não é de raça, mas de cor, onde as oportunidades são inversamente proporcionais a quantidade de melanina que temos. Uma escala de cinza, onde quanto mais escura for sua pele, menos oportunidades a pessoa possui, menos acesso, respeito, direitos. Menos tudo, a não ser preconceito.
Defendo que iguais devem ser tratados da mesma forma (por exemplo o peso do voto de todas as pessoas na condição de eleitores deve ser igual), porém é preciso tratar os diferentes, de forma diferente, (os ricos e os pobres excluidos), minimizando a desigualdade social e econômica.
Com relação a efetividade das cotas, vejamos o caso dos idosos, gestantes ou enfermos e os coletivos urbanos. Como geralmente os ônibus andam sempre lotados, as pessoas não costumam ceder o seu lugar aos necessitados. O ideal seria que todos e todas tivessem consciência e atitude cidadã, porém foi preciso a criação de uma política de reserva de lugares, definindo “cotas” de assentos para que o direito fosse respeitado.
Tratar desiguais de forma desigual para buscar a igualdade. Esta é a missão das políticas afirmativas, como as cotas, na busca da eqüidade que consiste na adaptação da regra existente à nossa situação concreta, observando-se os critérios de justiça e igualdade de direitos entre gêneros, classes, etnias, orientações sexuais, etc... Uma nova perspectiva de construção de uma sociedade eqüitativa e para todos, onde os direitos e os acessos não sejam negados, independente de ser branco, negro ou verde com bolinhas laranjas.


Leonardo Alves Batista
Coordenador Geral do COEXISTA – Grupo de Consciência Existencial e Coletiva

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

O Q Vc V?


É impressionante como na rotina maluca, corriqueira, individualista e competitiva, nunca reparamos nada, não damos importância àquelas partículas de coisas que nutrem com fervor o nosso dia-dia vago e delineado. A realidade triste é que aprendemos a conviver com certas lógicas previamente concebidas desde que somos crianças, e no desabrochar inerte da vida acreditamos ser tudo e todos, daquele jeito miúdo e desprovido de detalhes.
Outro dia me peguei desatento reparando na fechadura do meu quarto, a sensação que tive fora incrível, pois desde que nasci convivo com ela e nunca parei para observá-la, imaginem quantas milhares de vezes já a toquei, sem se quer senti-la. Depois de algum tempo pensando nisso, cheguei a inevitável conclusão de que somos programados para ver somente o que nos causa estranheza, tendo de imediato o impulso emburrecedor de sair distribuindo e colando rótulos e mais rótulos no próximo, sem antes olha-lo mais calmamente de perto.
Por mais que as pessoas insistam em confundir o sentido dos verbos ver e olhar, as sensações e efeitos que ambos causam são completamente diferentes, podemos olhar para o céu e não ver nada, e às vezes duas pessoas olhando para a mesma coisa vêem algo que se contradizem (pinturas abstratas são exemplos disso). Eça de Queiroz em um de seus livros exemplifica muito bem essa questão, uma vez que são varias as coisas que interferem diretamente na nossa visão esboçada de mundo, por exemplo, uma pessoa que fora criada em um lugar x, por força das circunstâncias terá uma percepção de vida diferente de uma outra pessoa criada em um lugar y, é como se a pessoa com um nível de informação relativamente alto olhasse tudo com o auxílio de um de microscópio, obtendo assim um foco maior, enquanto uma outra pessoa com um nível de informação relativamente baixo, olhasse a maioria das coisas e fatos a olho nu.
Para combater os diversos tipos de pré-conceitos existentes na sociedade, uma das alternativas é repassar todo tipo de informação válida para frente, formando uma corrente informativa, pois o pré-conceito nada mais é do que a falta de informação a respeito do outro e uma ausência real de conhecimento mutuo, ou seja, do outro e de si mesmo, sendo assim a forma mais coesa de abstrair-se dessa lógica discriminatória, é olhar o outro com o auxilio de um microscópio, para ver de fato as mínimas características e os seus mais ofuscados detalhes, que são incidentemente camuflados pelos estereótipos.
Diante disso deixarei uma simples dica ao caro leitor, quando você com seu instinto discriminatório cismar de ter uma opinião a respeito do próximo, que seja no mínimo um conceito formado depois de um conhecimento mais dotado de proeminência, e não um tolo pré-conceito sem embasamento algum, apenas um reflexo cego de seus próprios erros, defeitos e frustrações, que por hora refletem nos espelhos internos do eu.

Bruno Roger - Coordenador Executivo do Grupo COEXISTA

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

“TODOS IGUAIS, TÃO DESIGUAIS, UNS MAIS IGUAIS QUE OS OUTROS...”


O Brasil, atualmente possui uma condição demográfica, econômica e social que o coloca entre os mais importantes países do mundo contemporâneo. Em pouco mais de um século, transformamos uma economia agrícola e subdesenvolvida em um país urbano-industrial, uma potência mundial com grande geração de riqueza e renda. Contudo, os grandes avanços obtidos no processo de desenvolvimento, não acabaram, e muitas vezes acentuaram as extremas disparidades sociais existentes na nossa sociedade.
O Nosso país é gigantesco, porém, maior do que sua extensão territorial são as imensas desigualdades, fruto da nossa historia e muitas vezes justificadas por preconceitos que ainda persistem no cotidiano da população brasileira. Podemos, para problematizar, utilizar os indicadores sócio-econômicos de brancos e negros, homens e mulheres, como exemplos da intolerância e do preconceito, que marcam profundamente a nosso país.
Apesar disso, setores da sociedade brasileira continuam negando a existência do racismo (cor/etnia), machismo (gênero), a homofobia (orientação sexual e afetiva), preconceito contra pessoas com necessidades especiais, vulnerabilidade social, como condições socioeconômicas, idosos, jovens, etc... e principalmente a necessidade urgente de enfrentá-los, para promoção de uma sociedade eqüitativa.
Por tudo isto, um grupo de pessoas inconformadas com a realidade, se uniu na tentativa de criação de meios de fomento e promoção da dignidade humana, constituindo o COEXISTA - Grupo de Consciência Existencial e Coletiva.
Nossa logomarca é inspirada na criação do artista polonês Piotr Mlodozeniec que utiliza a lua, símbolo do Islamismo, a estrela de Davi do Judaísmo, a cruz do Cristianismo, formando a palavra COEXIST, além do Yin-Yang do Taoísmo e símbolo do Anarquismo, representando a convivência pacifica de diferentes visões de mundos, cultura da paz, quebra da lógica de intolerância e desrespeito à diversidade.
O grupo se originou em Contagem no ano de 2005 e hoje possui militantes em vários municípios mineiros. O COEXISTA está se estruturando como uma ONG e sua atuação está pautada na criação de metodologias inovadoras que fomentem a conscientização, a luta pela equidade, debatendo o papel individual e coletivo do ser humano.

COEXISTA

PENSO, LOGO COEXISTO