terça-feira, 1 de abril de 2008

JOVEM, BONECO DO SISTEMA

Boa tarde! Meu nome é João, mas prefiro que me chamem de John, acho mais doido. Já que estamos dando início a Conferência livre de juventude, organizada pelo Coexista, quero participar logo e expressar o que sinto, afinal de contas não é todo dia que temos essa oportunidade.

Vou jogar a real pra vocês, faço parte de uma geração que não se interessa muito por política, nunca fomos educados para gostar. Nem mesmo os nossos pais foram educados para gostarem de política, falo isso porque um tanto de gente fica nos comparando com eles.

De acordo com a história, nasci em uma época turbulenta. Naquele período o Brasil passava por um processo de transição entre regimes governamentais, ou seja, os anos sangrentos da ditadura não resistindo mais a pressão popular, dava lugar a uma proposta de abertura democrática. Na verdade esses acontecimentos não fazem muito sentido para mim, pois enquanto tudo isso rolava, eu era pequeno e só queria saber de brincar e fazer pirraça.

Cresci em um país “livre”, onde se pode falar o que quiser na hora que bem entender (olhar perplexo/de estranhamento para as cordas). Tem vários direitos que gozo sem perceber. Posso ir e vir (manipulação das cordas). Falar mal dos governantes. Criticar o sistema sem ser reprimido. Escolher e votar em meus candidatos, dentre outras tantas mazelas que essa tal democracia nos permite. Mas por incrível que pareça, não sinto muita vontade de conhecer ou exercer alguns dos meus direitos. Talvez porque não lutei por nenhum deles, quando percebi já estavam escritos na constituição. Dizem por ai que várias pessoas lutaram, muitas foram presas, torturadas, exiladas, e outras até morreram para que tivéssemos tais direitos, acontece, no entanto, que por acaso não fui eu e nem os meus amigos, sendo assim toda essa trajetória de lutas e conquistas não tem nenhum valor para nós.

Seguindo o exemplo dos meus pais e outras gerações que, cultuavam pensadores, filósofos, poetas, guerrilheiros, eu também tenho os meus heróis, confesso que são um pouco diferentes, para ser mais exato bem diferentes mesmo. Eles usam umas roupas esquisitas, lutam com uns monstros sinistros e pra complicar nem falam a minha língua, mas isso é o de menos, porque o quente hoje é falar inglês, pagar um cursinho, aprender a língua do Tio Sam, dizem que é importante pro mercado de trabalho, quer saber, não tô nem ai pra isso, acho mais importante saber inglês pra entender o que está escrito nas roupas que uso, nos lugares que freqüento, para compreender com mais facilidade os meus games e claro, para tirar uma onda com as pessoas. Já repararam como hoje em dia o inglês está em toda parte; dos minúsculos comércios de bairros as grandes empresas, passando pelas marcas dos produtos, alimentos e etc. Não podemos esquecer que ele também é fundamental para entender o que os nossos ídolos cantam. Sei lá, eles ficam fazendo umas caretas e balançando a cabeça de uma forma tão excitada, que deve ser algo interessante.

Não curto só rock n roll, gosto de vários estilos, desde que a música venha de fora e toque constantemente nas emissoras de rádio que ouço e na (M)TV, hip hop norte americano, dance, black music, Punk, Emocore, eletrônico e por ai vai. Esse papinho de cultura brasileira não ta com nada. Legal é lanchar no Mc Donalds, assistir a uns filmes de hollyood, esses realmente são bons. Não sei como explicar, mas eles são espetaculares e, diferentemente de alguns poucos filmes brasileiros que já vi, eles são estimulantes e alucinógenos, permitindo que a gente sonhe e viaje. Os filmes que gosto, são aqueles que passam nos cinemas do shopping e que acho com facilidade nas locadoras, ou melhor, baixo na internet, quer dizer, quando o filme é bom mesmo, tipo aquelas seqüências fantásticas de “American Pie”, compensa até comprar um dvd pirata. Esse tipo de arte nos provoca uma sensação ótima, de pleno êxtase exuberante, esquecemos nossos problemas e ficamos imaginando que um dia nossa vida será idêntica ao belo roteiro, ou seja: alegre, tranqüila, sofrendo alguns acidentes durante o percurso, mas no final felizes para sempre.

De todas as revoluções que estudei na escola, sem dúvidas a mais interessante é a tecnológica, depois dela tenho acesso à internet, mp3, mp4, câmera digital, vídeo games, DVD, celular, i - pod e outros aparelhos que tornaram a vida mais prática e interativa. Posso conhecer pessoas do mundo todo sem sair de casa. O mundo globalizado é o que há de melhor, e o pior é que tem gente por ai querendo revolução! Ah fala sério! (risos irônicos) Mas eu não sou bobo, revolucionar o que? Posso até pensar em reformar, quem sabe? Acho que cairia bem uma reforma no meu corpo e no meu rosto, pra eu ficar que nem aqueles caras “bonitões” que vejo na televisão e nas revistas. Cá pra nós, pensem um pouco comigo, pra que eu vou querer mudar alguma coisa no mundo? Não me falta nada, sou extremamente grato por fazer parte dessa era virtual, modéstia parte, nossa época é perfeita. (introduzir um ritmo de fala mais lento, causando impressão de reflexão) É... Bem... Às vezes fico pensando... será que é mesmo perfeita? Será que é perfeita para todo mundo? Às vezes tenho a ligeira impressão de que na mesma hora que temos acesso a um universo infinito de coisas, não temos acesso a nada. Parece que toda a imensidão da internet quase sempre se resume apenas em orkut e MSN, sem contar a televisão com seus vários e vários canais, onde somente dois ou três são alvos de nossa tão cobiçada audiência. Não acham isso estranho? Sei lá! Às vezes sinto que alguma coisa me prende, parece que algo me sufoca, controlando minha forma de pensar, manejando os meus sentimentos, direcionando minhas ações.

Pensando bem, realmente há varias coisas bizarras no meu mundo, mais pareço um brinquedo tecnológico comandado por alguém, tenho meus impulsos e desejos programados. Não tenho vida própria. Como estão vendo sou marionete, um completo boneco de engonço, desse sistema baseado em consumo descontrolado e acúmulo de riquezas.

É por essas e outras que me dispus a vir aqui hoje, para expressar um pouco do que penso e contribuir para mudar a realidade a qual estamos submetidos. Iniciativas como essas são importantes, pela primeira vez estão dando voz ao jovem, que sempre foi deixado de lado. Por isso galera, não pode vacilar, não podemos chegar a uma conferência como esta e confirmar tudo o que as pessoas pensam a respeito da juventude. Temos o dever de demonstrar interesse e colocar em discussão as nossas idéias. Vamos fazer da 1ª conferencia da juventude um mecanismo eficaz, sobretudo capaz de transformar nossas propostas em políticas públicas e ações sociais inovadoras, para que possamos de alguma forma ajudar os inúmeros jovens, que como eu, são brutalmente manipulados pelo sistema. Tão vendo essas cordinhas aqui, vejam, não tem como eu me libertar sozinho, é preciso que alguém solte ao menos uma de minhas mãos, para que eu consiga buscar instrumentos capazes de cortá-las, soltando uma por uma, gradativamente, temos, portanto, que fazer isso junto, pois definitivamente não suporto mais, essas cordas que me controlam, seguras pelas garras injustas do sistema, cada vez mais estão sendo fortalecidas pelas problemáticas agravantes do neoliberalismo. No começo elas não incomodavam, mas agora elas estão machucando, perfurando com tudo a minha alma. Necessito que alguém tenha um pouco de compaixão esquecida em algum lugar do superego, peço que olhem mais atentamente para mim, alguém com coragem suficiente, alguém que não seja egoísta e compartilhe suas informações comigo. Não agüento mais ser limitado, quero ser liberto das garras inescrupulosas desse sistema injusto, antes de ser devorado por ele. Será que não tem ninguém ai com tal disposição? Onde estão os caras que lutavam sem perder a ternura jamais? Preciso deles, estou desesperado por justiça, vejam, estou preso, amarrado, só alcanço até onde essas malditas cordinhas me permitem, só enxergo o que querem me mostrar, só vou até onde me deixam ir, é por isso que não sou livre. Por falta de formação e informação, estou aprisionado dentro de uma gaiola fictícia da ignorância. Fui culturalmente dominado e moldado de acordo com uma sociedade forjada no individualismo extrapolado, conformismo padronizado e na banalização acentuada de tudo (violência, sexo, mortes, drogas, corrupção, etc, etc). Ajudem-me! Pois ao contrario do que pensam não quero mais isso, quero ser livre, quero pensar, quero mudar, quero ter uma bandeira para levantar, quero participar, quero contribuir para um mundo melhor, quero obter minhas próprias idéias e opiniões. Quero uma ideologia válida, sentir o gosto de acreditar e lutar por mais justiça. Ajudem-me!

Libertem-me de mim mesmo!
Bruno Roger
Coordenador Executivo do COEXISTA
(Texto original da peça de abertura da 1ª Conferência Livre de Juventude - Grupo COEXISTA)

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